A DIFERENÇA ENTRE “O CERTO” E “DAR CERTO”
A natureza humana é observar o fenômeno, que “dá certo” e atribuir a ele a propriedade de ser “o certo”. Quando a mãe diz para o filho pequeno: “você deve sempre olhar para os dois lados antes de descer da calçada e atravessar a rua”, ela está orientando “o certo”. Ela aprendeu isso pela observação. Ela está fazendo uma recomendação embasada em um risco probabilístico inerente ao fato de atravessar a rua sem olhar para os dois lados. Entretanto, a maioria de nós já considerou desnecessário olhar para os dois lados. Ponderou que pode escutar o som de um automóvel se aproximando. Ponderou que a rua era de mão única. E, com certeza, já atravessou sem olhar para os dois lados. E “dá certo”. Até que não! Vamos entender isso melhor.
Refletindo sobre o aprender: de certa forma, do ponto de vista evolutivo, das amebas ao ser humano, o “aprender” se deu pela seleção natural atuando sobre o acaso. Por outro lado, os humanos aprendem com a consciência. Aprendemos vendo, escutando, compartilhando e estudando. Justamente em função de nossa habilidade simbólica conseguimos compreender o acaso e observar como ele se comporta. De certa forma, essa é essência da ciência médica contemporânea, comparar e analisar diferenças, estimando se estão acontecendo ao acaso ou se a probabilidade dessa diferença ser ao acaso é tão pequena, que podemos rejeitar a famosa hipótese nula. Com isso, estabelecemos generalizações probabilísticas semelhantes ao “olhe sempre para os dois lados”.
O método científico com suas generalizações probabilísticas é um dos principais fatores para o aumento da expectativa de vida de aproximadamente 40 anos no último século. Entretanto, apesar da ciência gerar muita informação, essa informação não tem sido aproveitada como poderia ser. Outra área do conhecimento - o processo de tradução da teoria científica para a ação prática - evolui de forma lenta. Nesse sentido, uso da simulação é uma exceção: uma das ferramentas mais poderosas e eficientes para transformar conhecimento teórico em ação prática na área da saúde. Simulando em manequins os procedimentos ou os atendimentos, que serão executados no ambiente de trabalho, os profissionais podem atuar de acordo com as recomendações embasadas em evidências. Podem treinar “o certo” e incorporá-lo a sua prática.
No Centro de Treinamento e Simulação em Emergências Médicas (CTSEM) de Porto Alegre, já foram treinados mais de 60.000 profissionais desde 1999, quando realizamos o nosso primeiro curso de Advanced Cardiac Life Support (ACLS ) sob a chancela da American Heart Association (AHA). Sempre trabalhamos com o objetivo de ensinar “o certo”. Ensinar e treinar de acordo com as diretrizes da AHA. Sempre de acordo com as recomendações científicas.
Figura: registro fotográfico do dia 19 de dezembro de 1999, no Hospital Geral de Caxias do Sul.
Por que “o certo” é tão importante para nós? Vejam essa ilustração de outra área, mas sobre a mesma temática: o voo 587 da American Airlines foi um dos piores acidentes aéreos da aviação norte-americana aconteceu no ano de 2001, quando o leme do Airbus se desprendeu da aeronave e mais de 200 pessoas faleceram. Um ano depois, a investigação atribuiu a ruptura da peça aos movimentos muito fortes nos pedais do copiloto. A questão é que a própria empresa treinava os seus pilotos em ambiente de simulação para atuarem daquela forma. Naturalmente, a técnica para lidar com a turbulência de esteira “deu certo” até acontecer essa tragédia. Pior do que não saber; é saber errado. Nós, no CTSEM, acreditamos na importância de ensinar “o certo”.
Dia 19 de dezembro é o aniversário do CTSEM. Estamos completando 24 anos. Nossa responsabilidade é enorme. Nós usamos uma ferramenta poderosa para transformar teoria em prática: a simulação. Nós treinamos milhares de profissionais dentro do território brasileiro. O nosso objetivo sempre foi ensinar como deve ser o atendimento das emergências. Toda vez que iniciarmos um curso, continuaremos iniciando para ensinar “o certo”.